terça-feira, 2 de junho de 2015

Epitáfio

Ao som de "Piloto Automático", da Supercombo



Depois que a gente perde algum ente muito querido, passamos a pensar na morte com mais frequência. Eu penso muito em coisas como futuro, estabilidade, projetos, família, amores... inevitavelmente refletir sobre a morte acaba se tornando uma coisa normal que surge nos pensamentos e devaneios.

Diante disso, quis escrever algo que há tempos já estava na minha cabeça, mas que só faltava um pontapé para sair do abstrato e se transformar em matéria. Eu dedico essa singela crônica à minha professora, amiga e conselheira, Marilce Pires, que agora aprecia ininterruptamente a presença de Deus.

Com amor.

[...]

Quando a gente pensa em texto fúnebre, vem logo à mente testamentos e demais epitáfios em lápides. Porém, quando eu penso em textos fúnebres, penso no que já pode estar na cabeça da gente e que automaticamente é censurado por parecer desnecessário, preenchido de melancolia e lamento. É, pode até ser, todavia ainda assim gosto desse tipo de texto, como também da sinceridade dos bebuns e irritadinhos.

Não me considero uma pessoa importante ou que fará falta. Desculpa pai, mãe e irmã, vocês não contam na lista. Mas realmente não acho que seja o tipo de pessoa que vai fazer surgir aquele tipo de conversa saudosista onde são feitos comentários sobre meus feitos, acertos e escândalos, pra depois todos rirem no final e dizerem "Porra puta cara legal que faz falta, né?!". Não, não faço esse tipo.

Eu sou um chato. Um ansioso. Faço uma besteira aqui e ali pra não perder o costume. Viciado nos meus próprios erros e cativo das coisas que já sou liberto. Eu sou inquieto. Eu sou platônico. Nunca termino uma coisa que começo e as que comecei, dei pra trás por motivos muitas das vezes desconhecidos.

Nunca fiz o tipo muito religioso. Talvez dogmático sofista demais, apesar de gostar de socializar bem a dúvida com a certeza, o racional com o emocional.

Vivo me sabotando. Espantei de mim excelentes mulheres, deixei empregos promissores. Fiz escolhas idiotas que só atenuaram minha condição de idiota e bobo.

Eu não sou um pessimista. Não, não sou. Sou apenas alguém refletindo sobre a morte e sobre as implicações da vida. Até por que a morte pra mim não existe. A morte é, senão, uma sono. Uma ausência temporária. Uma partida que pode vir com aviso prévio ou que surge do nada e causa comoção e divulgação de panfletos com cartazes de "Desaparecido!".

Eu escolhi uma profissão que causa em mim uma relação de amor e ódio. Se quiserem estabilidade e segurança, não sejam jornalista! A não ser façam opção pela putaria, por não ter muito amor por moral e ética, ou por aquela constante sensação de "tá faltando alguma coisa".

Aos 16 anos eu descobri que sou vocacionado para o ministério missionário. Aos 25 entrei num seminário, onde na verdade não sei se me acordou pra fé distante dos discursos e explicações vazias que a religião propõe, me fincando assim de uma vez por todas em Jesus Cristo e Sua imerecida graça salvífica; ou se foi um lugar onde terminou de matar o que de esperança e expectativa com a vida que eu já quase não tinha.

Eu tive somente algumas poucas namoradas (escrevo esse texto aos 27 anos e até agora só tive três namoradas), mas só uma despertou o meu amor sincero.  Acredito até que a a vida nos presenteia constantemente por renovo e perspectivas. Acredito também que cada pessoa recebe e dá um tipo de amor único e incomparável diante do que já se tenha vivido. Esta em questão foi única, assim como a outra futura também será. Única com direito a outros nobres sentimentos e demonstrações também únicos. Entretanto, ainda assim, há três anos meu coração foi dela e de certo modo continua sendo.

Sou Batista desde que me entendo por gente. Reconheço que a igreja é, simultaneamente, o pior lugar pra se estar como também o melhor. O pior, pois tem o que de pior do mundo e do ser humano. Tem o que de pior de mim. E é o melhor lugar por, além de parecer um circo ou um hospício, é o lugar perfeito para pessoas fracas e ansiosas reconhecerem não ter controle nem poder sobre a vida. Controle e poder são platonismos. Não controlamos sequer os batimentos cardíacos, respiração, pensamentos, impulsos, que dirá a vida?!

Sou romântico. Daria flores todos os dias pra quem amo, nem que fossem aquelas de jardim ou despretensiosas dos canteiros de rua. Sou coruja. Estragaria um (a) filho (a) de tanta atenção e perguntas como "Mas por quê?". Daria uma tiro num cidadão que fizesse uma filha minha sofrer. Daria um soco num filho meu se ele fosse escroto com alguma mulher ou faltasse com a sua responsabilidade de homem com quem quer que fosse.

Aprendi que a única coisa necessária num ser humano é o seu caráter, todo o resto é consequência. E haja vista que caráter significa palavra. Aprendi isso com o meu pai. Meu pai é um cara preguiçoso, mas que não sabe viver sem trabalhar. Meio antagônico isso, eu sei. Minha mãe é um brinco, um bibelô, uma daquelas pessoas que você colocaria no colo ou levaria pra casa de tão fofa. Minha irmã é igualmente bruta tanto quanto doce. Rir com o corpo todo. Abestada demais. Mas eu a amo!

Tenho amigos fiéis. Escolhi muitos outros péssimos por muito tempo. Passei um tempo sozinho, muito sozinho. Parece que quanto mais idade a gente vai levando na cara, mais sozinho e mais difícil fica de encontrar confiança. Faz sentido então o que Jesus falou sobre "vinde a mim as criancinhas, pois delas é o Reino dos Céus". A criança tem mais a te ensinar do que um adulto prepotente e insolente em sua burrice, arrogância, intelectualidade, moralidade.

Não gosto de gente burra. De burro já basta eu.

Abraçar é bom. Tocar nas pessoas é bom. Gravar o timbre de voz e o cheiro também é ótimo. As manias e tiques mostram muito do comportamento interno de cada um. Aprende-se muito sobre um indivíduo observando suas expressões e tonalidades da voz. Aprende-se muito sobre relacionamentos ficando calado e dizendo mais "não sei" do que "eu já sei".

Eu não valho muita coisa. Sou um pecador dos bons. Egoísta e imediatista. Tenho uma mente péssima. Todavia tenho também um coração grande, uma esperança na vida que não me faz entender muito de muita coisa. Também tenho a incapacidade de desejar o mau ou de maltratar uma formiga, apesar do meu tamanho, rudez com os contatos físicos e natural jeito estabanado de andar. Às vezes penso como é possível Deus me amar e ter morrido na cruz por mim. Às vezes me pergunto o que Ele tinha na cabeça quando me fez acreditar que tenho alguma condição pra abrir Sua Bíblia e ensiná-la.

Anseio pelo Céu. Anseio pelo fim disso tudo, pelo dia em que meus olhos fecharão aqui para abrirem na Eternidade e então descansar de toda essa ansiedade e mesquinharia. Desapegar de vez da condição humana, do cinismo de pedir perdão sabendo que irei errar outras inúmeras vezes, de fazer orações que não serão respondidas e de ter o silêncio como resposta para outras.

Anseio pelas respostas ou de apenas sentar e contemplar o Perfeito e ser como Ele também perfeito. Sem dor. Sem medo. Sem receios. Sem nada, a não ser alegria.

Um comentário:

Karol Vale disse...

Esse texto parece o epitáfio da pessoa mais viva que já conheci xD
Calma Markito!