segunda-feira, 23 de agosto de 2010

De volta ao velho intimismo

Ao som do disco Satolep Sambatown do Vitor Ramil, em específico a música A Ilusão da Casa

 

Ele olha pra cima, a primeira coisa que vê é o teto branco. Acorda de mau humor, dá um tapa no ventilador, se enrola com o lençol para esconder o corpo nu. Volta-se para o travesseiro e diz “Ah! Que se foda...”, levanta e mesmo assim ainda persiste no que detesta fazer todos os dias: socializar. Não é pessimismo, apenas a falta de interesse em demonstrar interesse.

Ele veste a roupa após um banho que não foi banho. Entra debaixo do chuveiro e fica lá, de pé, olhos fitando o branco dos azulejos lisos que mais parecem espelhos. Os cabelos curtos se transformam em longos quando a água cai. Incomoda um pouco e ele logo coça a cabeça como forma de alivio. Pensa aqui e acolá, na idéia de que a mente pode assumir a forma duma agenda com tópicos a serem riscados. Coisas a fazer, necessidades para ter o troco no fim do mês e ansiedade pelo fim de semana, momento este quando finalmente ele pode voltar-se para os que são seus por estima imensurável, e não por mero dever em socializar. Sem dramas, é necessário lembrar o tempo todo de que mesmo que ele quisesse, não é possível ser uma ilha!

Ele se pega vadiando em seu próprio pensamento. Com rosto inexpressivo, ele confabula realidade. Parece ser mais atrativo vadiar dentro de si mesmo do que com a pessoa ao lado. Se bem que isso não é pra lá de tão estimulante. Basta observar ao redor, o século atual está mais individualista do que nunca, cada um com seu mundinho paralelo acompanhado de fones de ouvido. Ele nem se importa, também usa fones de ouvido, não pela militância em prol do individualismo, usa pelo vício que tem em ter música nos seus ouvidos.

Ai ai, essa vida mais sem sentido, egoísta e mesquinha, que preserva condições e minúcias vazias. Ele não levanta mais o punho para reagir. Não por desânimo, mas porque entende que não há mais porque reagir ou resistir. Vive apenas como precisa viver sem esbarrar na vida alheia, na intimidade alheia, sem ser grosseiro ou rude. Parou de beber, restringe-se apenas a aspirar cigarro alheio, porque infelizmente os ambientes onde anda e trabalha são dominados por fumantes. “Aliás, fumar agora é moda?”, pensou ele. Grande bosta!

Parece que o cara assumiu a postura de um grande avarento. Sei lá, não é velhice precoce, mas é até bonito de se observar. Penso que ele apenas “cresceu” antes do tempo. Se bem que, o tempo não existe. Todo dia é igual ao outro, nós é quem insistimos em achar que um dia se difere do outro pela sucessão das “horas”, no levantar e cair do sol. O tempo é imutável, o que acontece são as horas fingindo serem dias, e os dias se vendo como alternativas de justificativa para se começar um novo dia, uma nova chance ou nova oportunidade. Engana-se aquele acha que o que era velho já se passou e caiu no esquecimento. O esquecimento não passa de um adiamento para o que um dia será público!

Outro dia, num domingo desses em que foi à igreja (ele gosta de ir porque por algum motivo lá ele se sente confortável, mais sincero e finalmente parte de algo; não por mesmice ou falta de opção, mas por pelejar no valor que o verdadeiro sentido de igreja ainda existe apesar dos pesares dessa sociedade que se diz pós-moderna ou pós-iluminada), escutou algo e rabiscou no cantinho da Bíblia: “Segredo não se trata do que não foi revelado. Segredo é aquilo que deixou de ser oculto quando foi revelado em secreto”. Pensou e repensou! Quantos detalhes ele possivelmente perdeu, sabe-se lá se foi nos olhos de alguém, vadiando em seus próprios pensamentos, de pé sob o chuveiro no cedo das manhãs ou dentro ônibus seguindo a fútil rotina como a maioria das mãos de obra baratas ali espremidas por cm³...

Reavaliou condutas, normas, ações, desejos e esperanças. Notou não estar tão sozinho assim. Logo ele fadigado de tudo e todos, sorriu para o nada como se esse nada fosse um amigo de longa data. Sabe aquele tipo de situação em que tudo que se deseja é apenas um colo, um ouvido que não seja amigo, mas, o motivo de todo estímulo que no derredor não é possível ser encontrado... Para finalmente dizer: “Em fim eu tenho o meu canto de refúgio e consolo. Paz! Não preciso de muito para ser rico, nem de razão para habitar no peito teimoso e erradico de alguém. Tô aí por teimosia e porque a própria teimosia é por deveras atraente, excitante.”... Pois é!

3 comentários:

Nanny disse...

Buds por ele mesmo ^^

Eliza Barroso disse...

Acho que agora posso entender mais do ''Paz!'' de cada fim (pausa)de conversa. Parece que tu sente ela mais profundamente e tem um sentido mais amplo ao teu ver!

''Logo ele fadigado de tudo e todos, sorriu para o nada como se esse nada fosse um amigo de longa data.''

Quem disse que aquele risinho de canto de boca é ao acaso?!

Pois é ...

Samanta disse...

A gente sai por aí empurrando com a barriga e fazendo a velha prece, com os fones no maximo.