quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Morphine

Às vezes penso que tudo não passa de uma ironia.

Tava indo para o trampo dia desses e fui interrompido numa dessas minhas viagens internas com o auxílio dos fones de ouvido e música no último volume. Uma moça se aproximou e disse: “É para você! Acordei essa semana com Deus me dizendo que deveria pregar a palavra Dele, e a pessoa da vez foi você.”. Agradeci me identifiquei, ela ficou grata pela educação e me desejou boa viagem até o meu destino final, desejei o mesmo a ela.

Não é do meu direito ou autoritarismo dizer quem prega ou quem deixa de pregar aquilo que se diz Palavra de Deus. Sabe lá se é ou não, mas para todos os efeitos, acredito que toda palavra inspirada pelo Espírito Santo de Deus não mexe com o emocional e sim com o racional. Portanto, se a mesma te faz pensar, refletir na conduta e estilo de vida, se colocar em situação de crítico e não como mais um mero ouvinte romântico aí sim é possível dizer que ali mora uma verdade espiritual.

Numa dessas noites de insônia, li na primeira epístola aos Coríntios no capítulo 2 a seguinte passagem: “A minha palavra, e a minha pregação, não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito e de poder; Para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus. Todavia falamos sabedoria entre os perfeitos; não, porém, a sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste mundo, que se aniquilam; Mas falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória; A qual nenhum dos príncipes deste mundo conheceu; porque, se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória.”. (versículos 4 a 8)

Em outra oportunidade dialogava com uma amiga do trabalho, e ela muito eufórica em meio a um desabafo pessoal junto a mim disse estar descrente nas pessoas, em suas ações. Disse também não crer em pastor nem padre nem em nada. As pessoas são religiosas, o mundo é religioso e isso tira o foco, o alvo o sentido em crer em um Deus, seguir este Deus, proclamar este Deus. Sem falso saudosismo, faço minhas as palavras do Hermes C. Fernandes em uma crônica ilustrativa no blog Apologética com Humor “Genizah” ao dizer: “Marx tinha razão. A religião é o ópio do povo. Trazendo pra nossa realidade latino-americana, diríamos que a religião é a cocaína do povo”.

A moça no ônibus havia me entregue um panfleto que continha o Salmo 23, que muitos ostentam como medalhão ou escudo protetor. Nada contra crenças místicas, mas até a própria Bíblia é usada como mudança de foco, alvo. Diante do que Cristo disse (“Eu sou o caminho a verdade e a vida, ninguém vai ao Pai se não por mim.” – João 14:6), eu fico pensando em o quanto as pessoas e suas linhas de “raciocínio” se transformaram em um detalhe implicante e bastante relativo. O relativismo ajuda na ponderação, na critica, na descoberta de novas formas de enxergar a mesma verdade. Mas, parece que esse relativismo trouxe foi uma forma de cegueira racional em vez de luz metanoica.

Digo isso porque realmente igrejas se transformaram em pequenas empresas e grandes negócios, como também ser pastor é atualmente considerado uma profissão de charlatões em busca de enriquecimento ilícito e não mais um chamado espiritual. Sobre padres, bispos e afins nem se fala, tudo virou uma grande molecagem voltada para o bem-estar e satisfação pessoal. Quando citei no início do texto a passagem de Coríntios escrita pelo apóstolo Paulo, tentei expor a mesma linha de raciocínio que ele tenta explanar para a sociedade da cidade de Corinto. Ou seja, o objetivo não é o homem e o que ele detém enquanto conhecimento, mas o que Deus mostra através dele.

O ser humano é um porta-voz do que Deus tem para o homem, logo, a sua sabedoria não é sua é de Deus porque é Deus quem inspira e dá discernimento espiritual para fazer assim a sua obra. É Deus quem educa e mostra qual melhor caminho, diretriz e conduta de vida conivente com alguém que se diz servo do Altíssimo. Se assim existe picaretagem, semelhantemente igreja e o episcopado, fundamentados na ganância humana transformaram-se em piada, não por culpa ou displicência de Deus, mas por culpa do próprio homem. Deixa-se Deus de lado, pois Ele nada tem a ver com o egoísmo humano, já que somos detentores do livre arbítrio, logo se erramos e estamos como estamos é por simplesmente ouvirmos apenas a nós mesmos e não o alvo o foco que é Cristo.

Já dissera o profeta Jeremias, no capítulo 17 versículo 5 que “Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do SENHOR!” porque simplesmente o homem não pode salvar a si mesmo e tampouco se saciar, se comprazer em si. Para isso o próprio Jeremias dá a resposta no versículo 7 do mesmo capítulo: “Bendito o homem que confia no SENHOR, e cuja confiança é o SENHOR.”. Até que se aprenda isso, isso se realmente for possível de o homem querer aprender, estaremos nessa dicotomia do certo e errado, do que é ou deixou de ser espiritual, divino, entre céu e inferno e brigas religiosas.

Por fim, disse no início do texto que tudo não passa de uma ironia, pois quando a moça me entregou o panfleto, em meus ouvidos no último volume estava tocando Embodiment da banda de grindcore splatter do Reino Unido, Carcass, aos que sabem do que estou falando vão entender (aos que não, vejam a tradução da letra da música clicando aqui). Falta mesmo é o ser humano crescer, cortar o cordão umbilical, deixar de ser tão mesquinho e saber ouvir mais, direcionar os seus olhos e ouvidos a quem está ali o tempo todo presente apesar dos pesares. (Gosto de grindcore, mas isso não influencia minha crença e a minha incumbência em falar de Deus porque é a missão de todo aquele que crê em Cristo como Senhor e Salvador. Só se pode criticar algo conhecendo, não é mesmo?)

Deus não é ausente nem ruim, apenas somos passíveis de sofrermos conseqüências de nossos próprios atos e escolhas. Basta usar a cabeça e o raciocínio, o mesmo Deus não afirmaria através do próprio Paulo na segunda epístola aos Coríntios, capítulo 4 versículo 5 que “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus” à toa. Se o somos é porque assim o escolhemos e não por malícia humana. A sociedade está como está por erro dela mesma, Deus de nada tem a ver se não nós mesmos.

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